Rotineiramente, algumas questões que acreditávamos resolvidas voltam ao debate. Por vezes, em função de novos argumentos ou enfrentamentos; outras tantas, pela alteração das circunstâncias dos negócios adjacentes. Assim, há poucos dias, fui consultado por colega que assessora uma corporação, sobre a incidência de direitos autorais de execução pública na distribuição de ringtones através de plataformas eletrônicas, telefonia ou rede mundial de computadores.
Não obstante a singeleza e precisão do questionamento, para sua melhor compreensão e fixação do direito em questão, também dando substância às conclusões que se seguirão, mister trazer à tona outros direitos em discussão incidentes sobre a difusão de obras, especialmente as musicais, pelas modernas vias tecnológicas.
Quando se fala em direitos a remunerar, é bom logo se ater aos proveitos econômicos ou institucionais apreciados como uso da obra artística. Também quando se pensa em execução pública, para que não se construa inteligência sobre falsas definições, é imprescindível ter em mente que o público pode ser real, ou simplesmente potencial, contável ou indefinido, até virtual. Compreenderemos isso mais adiante. Também necessário lembrar que para que o negócio seja considerado lucrativo, pouco seja o uso da música gratuito ao ouvinte.
Os direitos mais comuns incidentes sobre a comunicação da obra musical, já que estaríamos falando inicialmente de ringtones, são os inerentes à reprodução, distribuição e execução pública.
As definições de reprodução, distribuição e execução pública contidas na Lei Autoral, é bom logo dizer, não se afiguram suficientes ao afastamento das dúvidas e incompreensões. Sobretudo pela velocidade com que surgem novas utilizações e negócios através das plataformas tecnológicas e internet, crescendo a importância de uma compreensão mais aberta, embora ainda atenta aos princípios conceituais.
Justamente por essa falta, é cogente a insegurança nos ambientes de produção e comercial sobre a incidência desses direitos e quem teria legitimidade para exercê-los.
A exemplo, temos como vulgar a cobrança através de entidades mandatárias de artistas e produtores fonográficos contra o armazenamento de conteúdo musical em computadores e outras espécies de suportes. É acertada a cobrança de direitos de execução sobre a transmissão de streamings; não obstante discutível a cobrança de ringtones.
Propomos então, para tais soluções, que se dê um sentido interpretativo mais verdadeiro e inteligente do que seja “público” e das noções de transmissão, atendo-se à sua intenção finalística e, sobretudo, prática - efeito.
É bom lembrar que em alguns países há a cobrança conjunta de direitos de reprodução, distribuição e execução pública. Daí vem um tirocínio ordinário, que se embute no imaginário coletivo, da divisão da arrecadação (preço) em proporções ao direito mais
preponderante na utilização em estudo; ou mesmo, como sugerem alguns, a autorização para uso e remuneração consequente apenas pelo titular do direito mais saliente, visível.
Esse método estrangeiro, e que também está enraizado na cultura das nossas gravadoras e empresários, vem causando alguma confusão na interpretação dos novos negócios brasileiros, sobretudo para a compreensão dos limites entre aqueles direitos. Ainda mais que, diferentemente da participação comum e tranqüila dessas três modalidades em algumas explorações, é preciso conceber (ainda que pouco se escreva a respeito): “uma pode excluir (e não somente absorver) a outra, em função do objeto, do interesse econômico e jurídico da utilização”, daquele que disponibiliza a obra; como, outrossim, da potencialidade de aproveitamento daquele que a alcança, ouve ou aproveita.
Passando aos casos práticos, não se há de conceber como uma loja comercial que dispõe de músicas em um suporte eletrônico possa ser cobrada pelos produtores fonográficos (ou qualquer de seus mandatários) em função dos direitos de reprodução, quando justamente aquele suporte apenas serve de condição ou veículo necessário para a execução pública daquelas obras – o que demandará, certamente, receita por execução pública.
Nesse caso, diferente da intelecção comum de que o direito de comunicação ao público é preponderante sobre o direito de reprodução, este não existe, pois a cópia (e observe o singular) é mera condição necessária à “comunicação ao público” das obras.
Não somente apta à audição individual, como na gravação ou suporte doméstico, mas, mesmo no ambiente comercial, a cópia destinada à execução pública, como, igualmente, a manutenção e presença de CDs e DVDs legítimos, não compreendem reprodução ou armazenamento de produto fonográfico, assim não consistindo em conduta ilícita. De igual sorte, os arquivos digitais de uma emissora de rádio a compor o acervo para potencial comunicação.
Destoa completamente dessa afirmação aquele que armazena para multiplicar, copiar e vender cópias (distribuição). Não se confundam.
Cobrar direitos de reprodução daquele que armazena obras, dispõe em suporte material ou tecnológico, simplesmente para execução pública legítima, é como cobrar direito de comunicação a quem presencia uma audição musical, de quem assiste a um show ou ouve um rádio.
Veja que quem armazena sem intuito de comercialização não está potencializando ou permitindo a cópia das obras; apenas, como qualquer detentor de um suporte material, a sua audição doméstica. E quando, em ambiente profissional, serão devidos os direitos de execução pública. Daí, e também podemos novamente afirmar, a retenção da cópia será sempre condição necessária para a comunicação.
Conveniente lembrar que a Lei Autoral, quando impôs que as modalidades de utilização serão sempre independentes entre si (art. 31), condicionou a autorização para
distribuição: “quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra” (inciso 6º do artigo 29), permitindo a lógica interpretativa.
De maneira semelhante, aquele que transmite músicas pela internet, por processo de streaming, não está simplesmente armazenando ou distribuindo obras musicais. Idêntico a uma emissora de rádio convencional, está comunicando ao público o seu acervo, posto que as noções de comunicação se relacionam à disponibilização ao público, à sua acessibilidade.
Se a plataforma der a condição de “baixar” o arquivo, estaremos diante dos direitos de distribuição. Se a tecnologia permitir a audição, pelo processo de streaming, bem como a cópia de obras, estarão presentes e possíveis os dois conceitos, sendo exigíveis ambas autorizações.
Vejam que o mais interessante argumento contrário à cobrança do streaming reside no fato de que a obra viria por demanda. O “internauta” escolheria a obra acessível a um mero “clique”. Trata-se de erro elementar de premissa.
Mas desde quando a execução, aqui no caso sob a forma de transmissão, se consuma no ato de captação? A execução depende da presença dos ouvintes?
Essa dúvida seria tão moderna quanto o processo tecnológico que analisamos?
- Claro que não!
Quem sintoniza ou quem ouve um rádio não está necessariamente promovendo execução pública! Quem está gravando, captando ou dando um “rec” (receiver) na trilha tocada na FM (em ambiente e para fins domésticos) não está violando direitos autorais; mas quem está transmitindo através de ondas radioelétricas, radiodifundindo músicas sim, está comunicando obras a público, qualquer que seja o processo ou tecnologia.
E aí não há qualquer diferença se através de rádio ou computador, justamente porque, seja num caso ou no outro, a comunicação não se opera pelo momento ou ato da audição, mas, sim, a partir do instante em que a onda, o streaming ou a playlist está acessível (“bastante”) a público indistinto, a um número definido ou indefinido de pessoas.
A emissora de rádio faz uso profissional das obras musicais que encarta em sua programação, e a obrigação em retribuir aos diferentes autores surge à medida e no momento em que ela disponibiliza, sendo indiferente, efetivamente, se há público interessado ou ouvinte. Mesmo porque, ela transmite objetivando a recepção, que pode ser doméstica, tal como no computador.
O que é pública e indistinta é a transmissão. Pouco importa que, ao “clique” individual, se escute a música; pensa-se, individualmente, “em cada computador”. Não é isso: a participação é imediata e instantânea. A isso chamamos “disponibilizar”, comunicar a público.
Pode-se concluir que essa utilização gera direitos de execução pública, e isso se afere, seja no rádio ou internet, tanto pela intenção do emissor quanto pela potencialidade em comunicar presente na tecnologia utilizada.
Por outro lado, também é bom lembrar que aquele que percebe a audição por streaming, como o outro que ouve músicas em sua rádio, não estará realizando uma reprodução de obra.
Tudo isso é necessário para que se situe o ringtone, que é uma espécie ou variação de fonograma utilizado de maneira mais comum como toque de celular, geralmente copiado ou transmitido, sempre mediante venda.
Após tanto, e já sendo do conhecimento do leitor um pouco do funcionamento e dinâmica do negócio ringtone, fica fácil perceber que a despeito da “transmissão” do “produto” por via telefônica ou eletrônica, não há propriamente comunicação ao público. O ringtone, contrário à trilha veiculada no rádio, ou por streaming, não permite acesso livre.
No ringtone, o negócio evidenciado mediante pagamento para download é a distribuição daquele conteúdo, porquanto o acesso, a captura não somente é individual e remunerada, como a disponibilização somente ocorre a cada usuário individualmente, mediante ato de venda da cópia.
O objetivo do processo de download é copiar para o cliente o fonograma, sendo que o processo não tem potencialidade (nem é o objetivo) para acesso amplo, genérico e ilimitado de público, mas apenas se torna acessível a cada compra, e por vez, àquele que pagou pela captura. Na comunicação ao público, de maneira diversa, não se tem próprio e necessário o armazenamento e/ou distribuição, a cópia do fonograma, mas a obra está aberta, livre e acessível a um número, dentro dos limites (suporte) da própria tecnologia, ilimitado de ouvintes – e isso ocorre, de maneira idêntica, nas emissoras de rádio e plataformas que disponibilizam streamings.
Dessa maneira, admitidos os presentes conceitos e analisadas as premissas da finalidade e potencialidade da utilização, tem-se induvidoso que o comércio de ringtone não importa em execução ou comunicação ao público de obras musicais, não descartando, entretanto, as devidas autorizações afeitas do direito de reprodução e distribuição.